O falecimento do usufrutuário suscita uma dúvida recorrente na prática do Direito das Sucessões e do Direito Notarial: é necessário abrir inventário quando todos os bens do falecido estavam gravados com usufruto vitalício em seu nome?
A resposta exige compreender o conceito e a natureza jurídica do usufruto, a distinção entre propriedade plena e nua-propriedade, e as consequências patrimoniais e registrais da morte do usufrutuário, não apenas sob o ponto de vista do falecido, mas também do nu-proprietário e herdeiros.
A compreensão dos papéis do usufrutuário, do nu-proprietário e dos herdeiros é essencial para evitar equívocos frequentes nos cartórios e nas partilhas.
O que é Usufruto
O usufruto vitalício é um direito real que permite a alguém (o usufrutuário) usar e aproveitar os frutos de um bem, mesmo que ele não seja o proprietário.
O usufruto é um direito real sobre coisa alheia, disciplinado nos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil.
É muito comum em doações de pais para filhos, quando os pais reservam o usufruto para continuar morando ou administrando o imóvel durante a vida.
Portanto, confere ao usufrutuário o poder de usar e fruir o bem (por exemplo, habitar um imóvel ou receber seus frutos), sem, contudo, ser o proprietário.
A propriedade plena, nesse contexto, encontra-se “dividida” entre:
- O nu-proprietário: titular do imóvel, e
- O usufrutuário: titular do uso e fruição.
Enquanto o usufruto subsiste, o nu-proprietário possui direitos limitados e não pode usar nem gozar do bem, apenas aliená-lo, respeitando a continuidade do usufruto pelo tempo pré-estabelecido.
E quando o usufrutuário falece?
Com a morte do usufrutuário, o usufruto se extingue automaticamente. Isso quer dizer que o nu-proprietário passa a ter a propriedade plena do bem. Embora a extinção seja automática, ela deve ser formalizada no registro de imóveis por meio da averbação do óbito.
Então, o oficial do registro de imóveis irá averbar a extinção do usufruto, mediante a apresentação da certidão de óbito. E a partir deste momento, a propriedade plena consolida-se em favor do nu-proprietário.
O Código Civil prevê a extinção do usufruto com a morte do usufrutuário, por ser situação personalíssima e intransmissível. (art. 1.410, I, do Código Civil).
Neste caso, não é preciso escritura ou partilha para essa consolidação. Portanto, não integra o espólio, nem é objeto de partilha.
É necessário abrir inventário?
Ainda que o usufruto se extinga automaticamente, a morte do usufrutuário pode demandar a abertura de inventário se houver outros bens ou direitos em seu nome.
Entretanto, neste caso:
- Se o falecido detinha apenas o usufruto, não há herança a partilhar, podendo ser dispensado o inventário, limitando-se à averbação da extinção;
- Se houver outros bens (veículos, aplicações financeiras, imóveis, etc.), será necessário abrir o inventário para partilha desses bens entre os herdeiros.
Vamos analisar com uma tabela abaixo:
| Situação | Precisa inventário? | O que fazer | |
| O falecido era apenas usufrutuário e não tinha outros bens | ❌ Não | Basta averbar a extinção do usufruto no cartório de imóveis | |
| O falecido tinha outros bens em seu nome (contas, veículos, quotas etc.) | ✅ Sim | Deve-se abrir inventário para partilhar os demais bens entre os herdeiros | |
Situação Jurídica do Nu-Proprietário e dos Herdeiros
Com a extinção do usufruto, a propriedade plena se consolida em nome do nu-proprietário. E essa consolidação não decorre de sucessão causa mortis, mas de extinção de direito real. Logo, não há transmissão patrimonial tributável.
Consolidação da Propriedade
O nu-proprietário torna-se proprietário pleno, de forma automática, pela morte do usufrutuário. Como mencionado, no plano registral, deve requerer ao Cartório de Registro de Imóveis a averbação da extinção do usufruto, apresentando:
- Certidão de óbito do usufrutuário;
- Requerimento simples de averbação;
- Documentos pessoais dos interessados.
Não há necessidade de escritura pública, inventário ou recolhimento de ITCMD, pois não há transmissão entre pessoas vivas nem causa mortis, vez que a propriedade já pertencia ao nu-proprietário.
E os herdeiros do Usufrutuário, têm direito sobre o imóvel?
Não. O usufruto não se transmite por herança, pois é um direito personalíssimo.
Os herdeiros não herdam o usufruto e não adquirem direito sobre o imóvel, que já pertence ao nu-proprietário.
No entanto, se houver outros bens em nome do falecido, esses sim entram no inventário e serão partilhados normalmente.
Importante destacar que os herdeiros devem participar do inventário apenas quanto aos bens próprios do falecido, e não sobre os bens em que ele era apenas usufrutuário.
Herança e a Consolidação Registral
Em casos em que o nu-proprietário e o herdeiro do usufrutuário são a mesma pessoa (ex.: filho que recebeu o imóvel em doação com reserva de usufruto), não há necessidade de inventário para o bem, mas apenas a averbação do óbito no registro, extinguindo o usufruto e consolidando a propriedade em seu nome.
Essa situação é comum em planejamentos sucessórios, nos quais os pais doam bens aos filhos reservando o usufruto vitalício. A morte dos doadores não gera transmissão tributável, pois a propriedade já havia sido antecipada via doação.
E quando o nu-proprietário falece? Há necessidade de inventário?
A morte do nu-proprietário possui consequências diferentes da morte do usufrutuário.
Enquanto o usufruto se extingue automaticamente com o falecimento do usufrutuário, a nua-propriedade integra o patrimônio do nu-proprietário e, portanto, transmite-se aos seus herdeiros por meio de inventário.
Assim, se o nu-proprietário falece antes da extinção do usufruto, o bem permanece gravado, e os herdeiros recebem apenas a nua-propriedade, com o usufruto ainda vigente em favor do usufrutuário.
Esses herdeiros tornam-se os novos nudos-proprietários, respeitando o usufruto até que este se extinga.
Por outro lado, se o nu-proprietário falece após a extinção do usufruto, já detendo a propriedade plena, o imóvel será inventariado como bem de domínio integral, integrando o espólio normalmente.
Em resumo:
| Situação | Transmissão no inventário do nu-proprietário |
| Faleceu antes da extinção do usufruto | Transmite-se a nua-propriedade (o usufruto continua vigente) |
| Faleceu após a extinção do usufruto | Transmite-se a propriedade plena (livre do gravame) |
Essa distinção é fundamental para definir o valor do bem no inventário, o cálculo de eventual ITCMD, e a descrição correta na partilha, que deve especificar se o imóvel está ou não sujeito a usufruto.
Exemplo prático
Imagine que um pai doa um imóvel ao filho, com reserva de usufruto vitalício.
Enquanto vivo, o pai pode morar, alugar ou usufruir do imóvel.
Quando ele falece, o usufruto se extingue automaticamente, e o filho se torna o proprietário pleno, sem necessidade de inventário para aquele bem.
Extinção do Usufruto no Falecimento
Se o falecido era apenas usufrutuário, não há herança sobre o imóvel. Logo, a morte do usufrutuário extingue automaticamente o usufruto, consolidando a propriedade plena em favor do nu-proprietário, após a averbação do óbito na matricula do imóvel
O inventário do usufrutuário somente será necessário se houver outros bens deixados pelo falecido, não sendo exigível apenas para extinguir o usufruto.
Os herdeiros do usufrutuário não adquirem direitos sobre o bem gravado com usufruto, e o nu-proprietário passa a deter o domínio integral, livre de ônus.
Portanto, seja no falecimento do usufrutuário, seja no falecimento do nu-proprietário, é essencial compreender a natureza jurídica de cada direito e suas implicações sucessórias.
Enquanto o usufruto se extingue e não se transmite, a nua-propriedade integra a herança, garantindo segurança jurídica na sucessão e no registro dos bens.



